sábado, fevereiro 17, 2007

Prostitutas Misérias entre Mar e Janelas

Pintura de Ivone Ralha



No quadragésimo aniversário

da explosão de Hiroshima





1. Nascemos quase pelas horas quase

iluminadas pelas cortinas que

ocultam a ausência humana. E

falecemos entre as sombras da

presença humana. A palavra sentida

há de calar a dor. Devíamos ter dito

duas vezes a oração bordada - a

estreita oração que nos ensinou a

bíblia de pedra. Da palavra sentida

há de nascer o amor. As avenidas

cantam e dizem lagartos para

escurecer as noites que nos vêm da

madrugada. Na palavra sentida há de

crescer a flor. Os leões inventam

microfones que em duas línguas

dizem tudo em duas palavras para os

ouvidos de dois mundos que se

ajoelham em dois caminhos. Temos

de conhecer o mar. Temos de dançar

ao pé das janelas. E crepúsculo

estará na neve do crepúsculo que há

de vir congregado em pedras do

crepúsculo.



2. O velho continente acordou e

deixou de sonhar com as estátuas de

cinza. A América se levantou e se

contorce de recessão espacial nos

pastos que enchem os peitos do gado

com o qual havemos de alimentar os

silêncios da África. As Américas

colecionam lembranças da

escravatura. E África coleciona

lábios para beijar folhas e árvores

perdidas no deserto por habitar. Aqui

os dias caem no chão e ninguém os

quer contar. Mas de noite cantamos

os dias que se abrem. Estendidos no

chão. Espiados pela mão que para a

noite vai. A carne, a flor, o sal, o

sangue e a água se misturam para

soprar felicidade ao mar e às

janelas. Temos de conhecer o mar.

Temos de dançar ao pé das janelas.

E o crepúsculo estará na neve do

crepúsculo que há de vir congregado

em pedras de crepúsculo.


João Maiomona - poeta angolano

1 comentário:

DECIO BETTENCOURT MATEUS disse...

Interessante! Muito interessante! Harmonia e palavras muito escolhidas numa poesia hermética bem trabalhada.