quarta-feira, novembro 29, 2006

Aconteceu-me

Capuchinho Vermelho


Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos !
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.


Almada Negreiros - poeta luso-são-tomense

quinta-feira, novembro 23, 2006

Makèzú*

Pintura de Malangatana



– "Kuakié(1)!!!... Makèzú, Makèzú..."
...................................................

O pregão da avó Ximinha
É mesmo como os seus panos,
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos.

Avó Xima está velhinha,
Mas de manhã, manhãzinha,
Pede licença ao reumâtico
E num passo nada prático
Rasga estradinhas na areia...

Lá vai para um cajueiro
Que se levanta altaneiro
No cruzeiro dos caminhos
Das gentes que vão pr'a Baixa.

Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Das "venidas de alcatrão"
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira.

– "Kuakiè... Makèzú... Makèzú..."
– "Antão, véia, hoje nada?"
– "Nada, mano Filisberto...
Hoje os tempo tá mudado..."

– "Mas tá passá gente perto...
Como é aqui tás fazendo isso?"

– "Não sabe?! Todo esse povo
Pegó um costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão...

E diz ainda pru cima
(Hum... mbundo kène muxima(2)...)
Qui o nosso bom makèzú
É pra veios como tu".

– "Eles não sabe o que diz...
Pru qué qui vivi filiz
E tem cem ano eu e tu?"

– "É pruquê nossas raiz
Tem força do makèzú!..."


*Makezu – nozes de cola (sing. dikezu)
(1)Kuakié! – amanheceu!
(2)Mbundu kene muxima - negro não tem coração
(Palavras da Língua Kimbundu)


Viriato da Cruz – poeta luso-angolano
(poema de 1961)

segunda-feira, novembro 20, 2006

Exactidão

Firmino_Pascoal - Sob o Olhar Negro da Lua



Em cada poema
escorrem muitas verdades
algumas mais virtuais
que outras
outras mais reais
que algumas
e nessa ponte
versificada
vai-se denunciando
muita porcaria,
os lacaios
ratos
ratazanas
e tantas outras asneiras
que não cabem
nas letras


Domi Chirongo – poeta moçambicano

domingo, novembro 19, 2006

Mesquita Grande

Mesquita


Neste raso Olimpo argamassado em febre
e coral, o Deus maior sou eu. Por mais
que as pedras, os muros e as palavras afirmem
outra coisa, por mais que me abram o corpo
em forma de cruz e me submetam a árida

voz às doces inflexões do cantochão latino,
por mais que a vontade de pequenos deuses
pálidos e fulvos talhe em profusas lápides
o contrário e a sua persistência os tenha
por Senhores, o sangue que impele estas veias

é o meu. Pórticos, frontarias, o metal
das armas e o Poder exibem na tua sigla
a arrogância do conquistador. Porém o mel
da tâmaras que modula o gesto destas gentes,
o cinzel que lhes aguça a madeira dos perfis,

a lenta chama que lhes devora os magros rostos,
meus são. Dolorido e exangue o próprio
Cristo é mouro da Cabaceira e tem a esgalgada

magreza de um velho cojá asceta.
Raça de escribas, mandai, julgai, prendei:
Só Alah é grande e Maomé o seu profeta.


Rui Knopfli – poeta luso-moçambicano

sexta-feira, novembro 17, 2006

Soneto do Velho Escandaloso

Velho


Tu, oh demente velho descarado,
Escândalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro decepado:

Tu, que, em torpe furor incendiado
Sofres d'ímpia paixão ardor maligno,
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infrutífero castrado:

Tu, que tendo bebido o méstruo imundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
D'ímpia mulher o orgulho furibundo;

Em castigo do vício, que te arrasta,
Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo
Que és vil por gênio, que és cabrão, e basta.


Nas "Poesias satíricas inéditas de M. M. B. du Bocage, coligidas
pelo professor A. M. do Couto" (Lisboa 1840), vem este soneto à página
28, e tem aí o seguinte título: -- "A um músico velho chamado L. F." --
Não alcançamos alguma outra indicação, nem mesmo vimos outras cópias
deste soneto, com as quais pudéssemos conferi-lo. [nota da fonte]


Manuel Maria Barbosa du Bocage – poeta português

quarta-feira, novembro 15, 2006

Sonho de Mãe Negra

Mãe Negra e Seu Filho na Somália


Mãe negra
Embala o seu filho
E na sua cabeça negra
Coberta de cabelos negros
Ela guarda sonhos maravilhosos

Mãe negra
Embala o seu filho
E esquece
Que o milho já a terra secou
Que o amendoim ontem acabou

Ela sonha mundos maravilhosos
Onde o seu filho iria á escola
Á escola onde estudam os homens

Mãe negra
Embala o seu filho
E esquece
Os seus irmãos construindo vilas e cidades
Cimentando-as com o seu sangue

Ela sonha mundos maravilhosos
Onde o seu filho correria na estrada
Na estrada onde passam os homens

Mãe negra
Embala o seu filho
E escutando
A voz que vem de longe
Trazida pelos ventos
Ela sonha mundos maravilhosos
Mundos maravilhosos
Onde o seu filho poderá viver.


Marcelino dos Santos – poeta luso-moçambicano

segunda-feira, novembro 13, 2006

Ser Tigre

Tigre Branco


O tigre ignora a liberdade do salto
é como se uma mola o compelisse a pular.

Entre o cio e a cópula
o tigre não ama.

Ele busca a fêmea
como quem procura comida.

Sem tempo na alma,
é no presente que o tigre existe.

Nenhuma voz lhe fala da morte.
O tigre, já velho, dorme e passa.

Ele é esquivo,
não há mãos que o tomem.

Não soa,
porque não respira.

É menos que embrião
abaixo do ovo,
infra-sémen.

Não tem forma,
é quase nada, parece morto.

Porém existe,
por isso espera.

Epopéia, canção de amor,
epigrama, ode moderna, epitáfio,

Ele será
quando for tempo disso.


Arménio Vieira – poeta cabo-verdiano

domingo, novembro 12, 2006

Justificação

A Porta do pintor Suzart



Se o nosso canto negro é simultaneamente
baço e ameaçador como o mar
em noites de calmaria;
se a nossa voz é rouca e agreste
só se abrindo em gritos de rebeldia;
se é ao mesmo tempo amarga e doce a nossa poesia
como suco de nhantsumas silvestres;
se é encovado e profundo o nosso olhar
rasgando-se impávido à luz do dia;
se são disformes e gretados nossos pés espalmados
de trilhar caminhos ingratos;
se a nossa alma se fechou para a alegria
e só dá hospedagem ao ódio e à revolta
- não nos culpes a nós, irmão vindo das ruas da cidade.

Que entre nós e o sol se interpuseram
grades feias de escravidão,
grades negras e cerradas a impedir-nos de tostar
de verdadeira felicidade,

Mas ai, irmão vindo das ruas da cidade!
Nosso firme sentido de justiça, nossa indómita vontade a nascer
nossa miséria comum vestida de sacas rotas e imundas,
nossa própria escravidão
serão o calor e o maçarico que fundirão
para sempre as grossas colunas que nos zebravam a vida inteira
e lhe arrancaram todo o jeito doce e inexprimível de vida.


Noémia de Sousa - poetisa moçambicana

quinta-feira, novembro 09, 2006

Ter Uma. Ter Várias

Caras - Ter Uma. Ter Várias

Ter uma só cara
é estar-se nu
em casa
ou no jardim.

Ter várias caras
é mais fácil
que estar-se nu
em qualquer lado.

Ter várias caras
é doença social
de bom tom.

Ter uma só cara
é saúde
ou doença mental.


Tomé Varela da Silva – poeta cabo-verdiano

segunda-feira, novembro 06, 2006

Quando O Luar Caiu

Lua Escura de Ivone Ralha


Quando o luar caiu e
tingiu de escuro os verdes da ilha
cheguei, mas tu já não eras.

Cheguei quando as sombras revelavam
os murmúrios do teu corpo
e não eras.
Cheguei para despojar de limites o teu nome.
Não eras.

As nuvens estão densas de ti
sustentam a tua ausência
recusam o ocaso do teu corpo
mas não és.

Pedra a pedra encho a noite
do teu rosto sem medida
para te construir convoco os dias
pedra a pedra
no teu tempo consumido.

As pedras crescem como ondas
no silêncio do teu corpo.
Jorram e rolam
como flores violentas.
E sangram como pássaros exaustos
no silêncio do teu corpo
onde a noite e o vento se entrelaçam
no vazio que te espera.

Súbito e transparente chegaste
quando falsos deuses subornavam o tempo,
chegaste sem aviso
para despedir o defeso e o frio,
chegaste quando a estrada se abria
como um rio,
chegaste para resgatar sem demora o principio.

Grave o silêncio agarra-se ao teu corpo,
hostil o silêncio agarra-se ao teu corpo
mas já tomaste horas e caminhos
já venceste matos e abismos
já a espessura do obô resplandece em tua testa.

E não me bastam pombas dementes no teu rosto
não bastam consciências soluçante em teu rasto
não basta o delírio das lágrimas libertas.

Cantarei em pranto teu regresso sem idade
teu retorno do exílio na saudade
cantarei sobre esta terra teu destino de rebelde.

Para te saudar no mar e no palma
na manhã dos cantos sem represas
saudarei a praia lisa e o pomar.
Direi teu nome e tu serás.

Conceição Lima – poetisa são-tomense

domingo, novembro 05, 2006

À Tarde

Pintura de Edilson Lima


Não sei o que há de indefinível, vago,
Na morna luz da tarde,
Que nos envolve de um etéreo afago
E como que nos arde.

De nós então parece que se evola
Um pouco de ansiedade
Que tímido cantando acende e rola
Em busca da verdade...

Rui de Noronha - poeta luso-moçambicano

sábado, novembro 04, 2006

Carta de Um Angolano no Estrangeiro

Na Construção Civil


Partimos para a pedreira
Bem sabes que não é isto que queríamos
Não foi com isto que sonhámos,
Partimos para novamente sermos os contratados
E os explorados
Para sermos os sem eira nem beira

Mão de obra barata, partimos
Para construirmos e edificarmos
Com a força dos nossos braços vigorosos
E dos nossos peitos musculosos
Os prédios, as estradas, as pontes...
Em terras alheias, terras distantes

Partimos
Bem sabes que não é isto que queríamos
Tu que sonhaste com doutores e engenheiros
Agora tens-nos carpinteiros e pedreiros
A desenvolver países estrangeiros
Países dos outros

Partimos para sermos espancados
E levarmos bofetadas
Dos cabeças-rapadas
Partimos para sermos desdenhados
E chamados com desprezo, pretos!
Nestes lugares longínquos, lugares incertos

Partimos, mas não queríamos partir
Lá no Menongue queríamos construir
Os hospitais, as escolas, as pontes...
Lá queríamos erguer um arranha-céus
Para então gargalharmos desafiantes
Os brancos europeus
(Mas lá no Menongue, não aqui em Portugal
Que isto nos faz sentir mal)

Partimos
Bem sabes que nos forçaram a partir
Fugimos
Bem sabes que nos nos forçaram a fugir
Mas não é isto que queríamos
Não foi com isto que sonhámos

O que nós queríamos
O que nós desejávamos
É construir uma ponte
E uma auto-estrada gigante
Que unisse os corações dos angolanos,
É isto que desejamos todos estes anos

Partimos
Mas bem sabes mãe, não é isto que queríamos
Não foi com isto que sonhámos!

Décio Bettencourt Mateus – poeta angolano

sexta-feira, novembro 03, 2006

Orfeu Rebelde

Mito de Orfeu  de Marc Chagall em 1977


Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

Miguel Torga – poeta português

quinta-feira, novembro 02, 2006

Moçambicanto I

Mistério da Água de Suzart


Céleres as águas
zambezeiam pela memória
das almadias do silêncio

nem o zumbido da cigarra
me entontece

nem o troar do tambor
me ensurdece

as vozes que são
sulcos das nossas esperanças

Oh pátria
moçambiquero-te
neste alumbramento
e amar-te
devo-o à carne e ao nervo
deglutidos em revolta.

Da enxada e do martelo
é o verso escrito na palma
da tua mão punho fechado
que nas alavancas das horas
faz refulgir o aço
alfabeticamente parido
Cavador maldito
pronto a decepar o tronco
deste imbondeiro tão pária
carcomido pelas talecuas
sugadoras do seu sangue
e o veneno da nhoca cuspideira
queimando as migalhas bélicas
postadas de cócoras no caminho
dos simples
assim altivo ergues o teu nome
num pais ainda
de nadas e famélicos
desbravando os crápulas bem como os satanhocos.

Sei da Pátria
o nome erguido
a estrela tatuada
no corpo do Indico

uma timbila
canção guerreira


Gulamo Khan – poeta moçambicano

Em colecção "Timbila", no. 8.(AEMO)

quarta-feira, novembro 01, 2006

Lisboa

Cidade de Lisboa


Lisboa que comigo acorda
oiço o vento, arrebata-me para olhar o rio
esse rio tão nosso e tão azul
olho-o e mais me parece um braço de mar
na imensa paleta que nele se desenha
desenhos de encantos e invenções
dos nossos navegantes antigos e de hoje
num abraço fraterno de descobertas imensas
das dores e de alegrias
mas sempre cheios de amores
as casas com as conchas e as cordas
para sempre nos lembrar o sal
os búzios onde aprendemos a ouvir os sons de águas distantes
em fantasias marítimas que mais não são
do que as nossas músicas de ninar
embalada pela cantiga do vento
num dia de sol amarelo e laranja
passeio à beira do Tejo e
nele deposito o meu ver de quem quer encontrar

Sento-me e como um pastel de belém
comprei-o na fábrica ali mesmo em Belém
no meio de paredes cheias de azulejos do século XVIII
figuras e desfiguras em tons de azul,
nem sei quantas salas são, uma, duas à esquerda
três, quatro , cinco, seis à direita
e as fornadas não param de sair
lembro-me da Matilde hoje ela não veio
gostamos de tomar um moscatel e comer um pastel

sentada perto da gigante rosa dos ventos
sinto o que é partir mais uma vez
retornar sempre, na poesia desta cidade
que me ilumina, na sua luz e nas suas sombras

Tempos houve que partiram para novos mundos
foram para ocuparem territórios
fazerem fortuna, realizarem sonhos
também foram para guerrear outros povos
as mulheres portuguesas ficavam
viram os seus homens embarcarem
para novas vidas e para várias mortes
nas dores da perda e na coragem

Antes, há alguns séculos, na volta os que voltavam
traziam-lhes panos de novas cores
especiarias e histórias sem fim de terras fantásticas
depois, há dezenas de anos, na volta os que voltavam
traziam-lhes histórias de guerra e morte, loucuras, demências
outros houve que voltavam com histórias de novas culturas
de terra quente e fértil, horizontes maiores e regressavam
agora como emigrantes em terras de África
mais tarde expulsos da terra do sol, voltaram chorosos
nunca saberemos as suas verdadeiras histórias
certa apenas do encanto dessas longas terras africanas
muitos foram os que emigraram para a Europa
Américas, Ásia e por esse mundo afora
somos um povo de viajantes livres e forçados
Lisboa assiste a todas as partidas
empresta-nos um dos seus mistérios
o de sabermos que voltaremos

Subo algumas ladeiras para ir
ao castelo e dele ver os barcos
mais logo comer umas sardinhas assadas
nas festas populares
iremos dançar e sorrir
da cidade de namoros e encantos
no fado vadio que nos embala de noite
a beber um vinho
Descemos e vamos para a região ribeirinha
cheia de bares e restaurantes
passeamos à noite nas luzes e maresias

Esta cidade de sobe e desce
num ritmo de telhados, azulejos, pedras
praças e bancos de rua
ainda existem bebedouros
e miradouros também
Há praça que se chama das Flores
príncipe real também há
trindade e os seus bifes
sete rios e os seus animais
amoreiras e a pintora Vieira da Silva
na Roma vamos à barata comprar livros
na praça de Londres lemos o jornal
a Av. de paris levava-me a casa
também temos estradas
como da luz e a de Benfica
em Belém os nossos Jerónimos
e centro cultural lindo só por dentro
a nova ponte que não vai para a índia
os cacilheiros lembram-me sempre as bolas de Berlim
e as castanhas assadas
no Campo Grande a 111
a biblioteca nacional e um parque
nas linhas de torres vamos aos novos bairros
e a alguns mais velhos
No arieiro, não há mais areia
mas existem bons restaurantes e de peixe
na João XXI antes da Praça de Espanha
passeio nos Jardins da Gulbenkian
e o fabuloso museu que lá está assim
à nossa espera sempre óptimo
e o das janelas verdes

Não vou continuar neste meu desassossego
escrevo-te a ti Lisboa aqui do outro lado do oceano
certa que me ouvirás nesta canção
trago-te em mim no meu sono mais doce
na minha faceta mais inventiva


Constança de Almeida Lucas – poetisa portuguesa
(Em Poema e desenhos)

Desligado

Pintura de Ntaluma



Era bom se
amanhecesse
neste sossego
presente
sem pensar
no futuro
nem mesmo
no castigo
que o livro
evoca
era bom
se obedecesse
minha alma
sem ter que
obedecer
as estrelas
as árvores
e as raízes
era bom se
meu coração
cantasse
a canção
de liberdade
sem ter que recorrer
aos ancestrais,
ancestrais
escondidos
no embondeiro
ou talvés
neste ar impuro...
era bom
que olhasses
p’ra mim
como humano
não escolhido
mas também
humano de bem
como o infinito!


Domi Chirongo – poeta moçambicano