quinta-feira, maio 31, 2007

Naulila - a minha (amiga) angolana

Naulila


Nau conta-me histórias de Angola
embarca-me nesse sonho...
descreve-me esses períodos intemporais
do local onde nasceste.

Sei teus sentimentos
sei que sou ingénuo
a minha mente confusa
bloqueia-me deixando-me ignorante.

Tu és para mim o que
as portuguesas não são.
Transmites-me, por vezes, a acalmia
e a sensatez de que necessito.

Espero-te comigo na nossa Mãe-Menor,
creio passar momentos de amor
onde estarei na tua presença.

Lila, angolana de pouco tempo,
hoje ao som de Angola - Mãe
te escrevo, anceando por
este vazio colmatar.

Despeço-me de ti
mulher de dois tons
angolana de ritmos.

Agradeço-te por me
deixares fantasiar,
voar na imaginação
da minha terra idílica.


Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

domingo, maio 20, 2007

Almada

Cidade de Almada

Alma amada gentil que não partiste
Ficaste e enfrentaste a ditadura
Numa luta de Davi e de Golias,
Mesmo assim nunca pereceste.

O Salazarismo foi-se
Veio a Revolução dos Cravos
Depois, o cravo brigou com a rosa,
E como sempre só te restou
O verso e a prosa.

Caiu o Muro de Berlim !
Quando mais acreditávamos
Nos ventos da liberdade
O neo-liberalismo decretou o fim da história.

Em vários pontos do planeta
Os carbonários da cultura resistiram
E tu Almada, Oh, Alma Amada
Foste um destes bastiões !
Cacilhas,
Ilha de Poesia,
Castelo de Vates !

Hoje a farsa foi desmontada
Bush pai e Bush filho
estão desmoralizados,
não enganam mais ninguém.

Nós, os poetas amados
Bardos Alados, inconformados,
Seguimos o exemplo do poeta do Sado.
Elmano Sadino, é o nosso paladino
Muitas vezes designado maldito
Só por que falou do mundo como ele existe.

Não vamos parar de pensar
Nem de escrever as idéias
Por que em nosso peito bate um coração
Que jamais se calará ante a injustiça !
Tem gente que acha isso sinistro.

É vero !
AVANTI,
VIVA LA SINISTRA !

Ricardo Muniz de Ruiz - poeta mameluco brasileiro
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2007

terça-feira, maio 15, 2007

Um Homem Nunca Chora

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Acreditava naquela história

do homem que nunca chora.


Eu julgava-me um homem.


Na adolescência

meus filmes de aventuras

punham-me muito longe de ser cobarde

na arrogante criancice do herói de ferro.


Agora tremo.

E agora choro.


Como um homem treme.

Como chora um homem!


José Craveirinha - poeta luso-moçambicano

sábado, maio 05, 2007

Dispersão

Labirinto

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projecto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... mas recordo.

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas p'ra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...

.......................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
.......................................


Mário de Sá Carneiro - poeta português
(Paris, Maio de 1913)