
1
cheiros cheios
de desejo
perfuram
veios
2
contra olfatos
não há argumentos
Frederico Barbosa - poeta Brasileiro
Pintura de Samuel Vincente
Ouvindo o silêncio das coisas remotas,
Distingo legendas que os outros não
lêem...
Vislumbro paisagens confusas, remotas,
- Silhuetas de imagens que muitos não
vêem!...
Desvendo os mistérios da selva distante,
Aonde costuma rugir o leão...
- Arroios cantando, num som murmurante,
Anharas perdidas p'ra além do sertão...
Capim verdejante nas humidas chanas,
Lençol de esmeralda que o sol vai
corando...
Matizes da selva, luar das savanas,
Mabecos fugindo, pacacas pastando...
Silêncio das noites sombrias, caladas,
Segredos da selva, murmúrios da aragem...
-Holongos ligeiros, fugindo, em manadas,
Regatos correndo por entre a folhagem...
Latidos de hienas em torno dos quimbos,
Já dentro da noite, se a fome as aperta;
Quimbundas alegres, sachando os arimbos
Depois que o som cavo do goma as desperta
Chingufos ao longe – rufar permanente –
Chamando ao batuque de intensa folganca...
E os pretos, gingando pra trás e pra
frente,
Agitam as ancas na febre da dança!...
E a lua, do alto – qual "hostia boiante" –
Envolve o cenário num manto sidério...
- Canção do silêncio da selva distante,
Bem poucos entendem teu som de mistério!
...
M. Correia da Silva
Em " Cantares de Angola "
O Semba Semba é canto de avenida
É chuva de primavera
Semba é morte Semba é vida
O Semba Semba é o meu choro dolente
Olhar nossa vida de frente
Semba é suor Semba é gente
O canto do Semba o canto do Semba ele é nobre
O canto do Semba ele é rico o canto do Semba ele é pobre
O canto do Semba ele é rico o canto do Semba ele é pobre
O Semba no morro Semba no morro é fogueira
O Semba que traz liberdade o Semba da nossa bandeira
O Semba que traz liberdade o Semba da nossa bandeira
O Semba, Semba é kanuco de rua
Na escola da vida ele cresce de tanto apanhar se habitua
Na escola da vida ele cresce de tanto apanhar se habitua
A voz do meu Semba a voz do meu Semba urbano
É a voz que me faz suportar o orgulho em ser Angolano
É a voz que me faz suportar o orgulho em ser Angolano
Paulo Flores - Cantor e poeta luso-angolano
Quadro de Malangatana Ngwenya Valente
Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio as vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.
Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.
Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve
Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.
Vinicius de Moraes – poeta brasileiro
Pintura de Etona
Todos os dias eu via
A mulher sentada, vazia,
Num cruzamento: agonia.
Com um filho no colo,
De quem passava pedia.
Amamentava e pedia.
Tinha dois outros,
Com quem brigava e pedia.
Os filhos inquietos corriam,
Brincavam na rua e pediam,
Mas, de perto da mãe, não saíam
Que paradoxo eu via:
Uma plenitude vazia,
Os filhos dali não saíam.
Nagibe de Melo Jorge Neto – poeta brasileiro