No barro da rua,
Pisadas, por toda a gente,
Ficaram as folhas
Secas, amareladas
A estalar sob os pés de quem passava.
Depois o vento as levou...
Como as folhas da mulemba
Foram-se os sonhos gaiatos
Dos miúdos do meu bairro.
(De dia,
Espalhavam visgo nos ramos
E apanhavam catituis,
Viúvas, siripipis
Que o Chiquito da Mulemba
Ia vender no Palácio
Numa gaiola de bimba.
De noite,
Faziam roda, sentados,
A ouvir, de olhos esbugalhados
A velha Jaja a contar
Histórias de arrepiar
Do feitiçeiro Catimba.)
Mas a mulemba secou
E com ela,
Secou também a alegria
Da miúdagem do bairro;
O Macuto da Ximinha
Que cantava todo o dia
Já não canta.
O Zé Camilo, coitado,
Passa o dia deitado
A pensar em muitas coisas.
E o velhote Camalundo,
Quando passa por ali,
Já ninguém o arrelia,
Já mais ninguém lhe assobia,
Já faz a vida em sossego.
Como o meu bairro mudou,
Como o meu bairro está triste
Porque a mulemba secou...
Só o velho Camalundo
Sorri ao passar por lá!...
Aires de Almeida Santos – poeta luso-angolano
4 comentários:
Queria que soubesses que passei por cá para alargar os meus horizontes!
Beijinhos.
Ha quantos anos, Deus meu, li este poema pela primeira vez? Ainda em Angola tinha os meus 10 anos e apaixanei-me desde logo pela Poesia angolana. Mais tarde li Viriato da Cruz, Agostinho Neto,Antonio Jacinto, Mario Andrade, Arlindo Barbeitos ao que juntei Eugenio de Andrade,Antonio Gedeao de Portugal e quando me ausentei de minha terra,comecei a escrever poesia para manter viva a chama.Creio serem eles as minhas influencias poeticas. Obrigado pela Mulemba!
Mais um poema à Mulemba...e bem bonito! Também desconhecia. Hoje, procurando um poema para um cantinho "muito" especial...lembrei-me da Mulemba do Namibiano -- por sinal com uma cadência especial-- mas para o pretendido, não seria o mais apropriado. Sem saber como, encontrei este cantinho e, o que aqui me trouxe ficou para 2º plano pois deliciei-me com a sua poesia. Acima de tudo por ser tão jovem e ter uma escrita tão adulta. Depois...Almada também fez parte de muitos momentos quer da minha juventude antes de conhecer Angola e depois -- onde nasceu um dos meus filhos. Sinceramente...(?) gostei muito e vou voltar aqui!
Kandandus!
É sempre bom recordar Aires de Almeida Santos, pessoa boa com quem privei de perto...pois fui da sua familia. E a "mulemba secou" foi um dos seus poemas que mais gostei.
Recordo-o com saudade e carinho
Antonieta
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