sexta-feira, abril 27, 2007
As Palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade - poeta português
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terça-feira, abril 24, 2007
"Thinking Blogger Award"
O meu amigo Joaquim Guerra do blog Energias Alternativas
contemplou-me com o "prémio dos blogs que o fazem pensar" uma honra imensa, tenho que lhe agradecer novamente, muito sinceramente não estava espera!
Agora os cinco blogs que me fazem pensar, embora existam mais...
- Tudo dos Outros da Paula
- Mulembeira do meu kamba Décio Bettencourt Mateus
- À Sombra dos Palmares da Sombra
- Marco Negro do activista negro Marco António dos Santos
- 2+2=5 que tem a colaboração do meu Prof. Armando Rocheteau
Os escolhidos deverão copiar o logotipo que deixo lá em cima e colocar na lateral do blog. Para além de terem de nomear outros cinco.
Meus amigos, amigas um grande abraço pelos comentários e visitas,
quanto aos premiados é de louvar o que postam, só tenho a agradecer.
A companheiro Joaquim obrigado pela confiança, muita luz e energia!
A Criação
Deus fez a mulher,
O Diabo a possuiu.
O homem então fez a poesia.
Essa moral judaico-cristã
Cansa a minha beleza.
Não é preciso ir muito longe
Pesquisar o Tao no Oriente
Pra sacar coisa melhor.
Aqui mesmo em Pindorama
Existe a moral Yorubá…
A feminina Odudua
E o masculino Obatalá
Fizeram juntos a criação:
Da Terra, da Gente e a Natureza.
A moral Ocidental
Explica a Criação
Na oposição Deus-Diabo.
A mulher no caso
É mera coadjuvante.
Olha aqui,
Não me leve a mal,
Mas a moral Ocidental
É homossexual!
Ricardo Muniz de Ruiz – poeta mameluco-brasileiro
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sábado, abril 21, 2007
E Se Amanhã O Medo
De quantos medos é feito o mundo?
E se amanhã o medo me invade?
O que é o teu medo?
Qual é o meu medo?
Que medos se escondem
na cave escura da minha mente?
Qual é o medo do mundo
que te rodeia?, ou qual é o medo
que me suga o espírito,
quando o meu coração o consente?
E se o medo me apanha desprevenido?
E se o mundo mudo cheio de medo,
me envolve no buraco em espiral?
E se amanhã o medo te pega,
como vais reagir?
E esse teu estúpido medo,
quem é? Sou eu?
Que medo tens de ti própria?
E porque me foges de medo,
para esse teu castelo invisível?
Sabes que medos me assaltam
o coração, quando este se nega
a admitir a sua fraqueza?
Este medo excruciante,
mostra-me as verdades ocultas,
do homem como homem,
e que os medos se transmitem
como vírus.
Hoje tombei com um medo
não-familiar, mas de família que não é.
Esse medo apunhalou-me,
e eu como praça-marechal,
caí estarrecido nos braços escuros do medo.
Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço
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quarta-feira, abril 18, 2007
Nas tuas mãos
Ardia
barco de espuma
rede
das tuas mãos escorria
língua de fogo
sede
nas tuas mãos
sentia
dobra do vento
febre
nas tuas mãos
tremia
nome da vida
tempo.
Ana Paula Tavares - poetisa angolana
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terça-feira, abril 17, 2007
Os Meus Pés Descalços
Os meus pés andantes
Procuram a palanca real, palanca negra
E desencantam as quedas de Kalandula
Quedas da minha terra
Oh é bela Angola
É bela Angola e são felizes os meus pés caminhantes
Os meus pés empoeirados
Acariciam subsolo rico, ouro negro a jorrar no alto mar
Ouro negro a jorrar no offshore
E no onshore
Ouro negro a brotar
Das entranhas do mar, para os meus pés esfomeados!
Os meus pés garimpeiros
Apalpam tesouros e mais tesouros
Minas de diamante, ferro, cobre, prata, ouro…
Debaixo dos meus pés ásperos
Minas de diamante debaixo dos meus pés maltratados
Debaixo dos meus pés esfomeados
Os meus pés camponeses
Galgam a terra, terra boa de agricultura
Terra boa de verdura
E farta de feijão, mandioca, milho, batata…
Terra boa, terra farta
Debaixo dos meus pés famintos e felizes
Os meus pés pescadores
Banham-se em mares ricos
Mares de garoupas, corvinas, carapau, mariscos…
E mergulham em rios fartos, Kwanza, Kubango
Keve, Bengo…
Águas fartas a banharem os meus pés sofredores
Os meus bolsos vazios
Vêem outros bolsos vazios aterrar desnutridos
E depois, bolsos cheios
A levantar voo, a embarcar abastados
Bolsos cheios a embarcar com sorrisos
A embarcar abarrotados, oh que paraíso!
Os meus pés descalços
Clamam por migalhas, clamam por pedaços
Os meus bolsos vazios
Não clamam por milhões, não clamam por rios
Os meus bolsos vazios e os meus pés famintos
Clamam somente por migalhas de alimentos!
Décio Bettencourt Mateus - poeta angolano
Em "Os Meus Pés Descalços"
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Décio Bettencourt Mateus
terça-feira, abril 10, 2007
Não te amo mais.
Estarei mentindo se disser que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que não significas nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
Luís Vaz de Camões - poeta português
Obs: Agora lê de baixo para cima.
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segunda-feira, abril 09, 2007
O Convertido
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!
Antero de Quental - poeta português
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português
sábado, abril 07, 2007
Livro de Horas
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Miguel Torga - poeta português
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quarta-feira, abril 04, 2007
Respiro o Teu Corpo
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
Eugénio de Andrade - poeta português
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segunda-feira, abril 02, 2007
Quem És Tu, Moçambicana?
Do norte de Moçambique vislumbro-te,
mulher que julga o mundo
através de uma foto indefesa.
Moçambicana coberta desse pigmento
que provem da terra,
pareces o que jamais no meu mundo existiu.
Esse pano que levas na cabeça,
é para te proteger do sol por demais quente?
Ou é para transpareceres
os costumes do teu místico local?
Estátua imóvel no silêncio vivo,
olhas-me desafiando-me,
para onde me queres levar?
Olho-te...
procurando saber que omites
com o teu olhar sábio,
procurando encontrar parecenças
comigo na tua expressão,
desejando sentir aquilo
que só tu me podes dar.
Mãe, avó, sábia, feiticeira,
protectora, simples mulher,
quem és tu mulher revestida
pela magia da nossa Mãe?
Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço
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