domingo, março 29, 2009

Corpo Presente

Malangatana Valente Nguenha


Mais me pesa a terra sobre os olhos
e no lugar do coração. Não era
enfim tão rápido quanto crera.
Não fora esse indício e juraria a ausência
total de sensações. Pesa-me, porém
sobre a cegueira dos olhos e o vago
atroz do coração. Atroz não
porque me doa ou amargure,
mas porque esse ruído débil,
sempre inaudível, companheiro
da primeira à derradeira hora,
súbito cessou,
substituindo-o o horror de insuspeitado
e impenetrável silêncio. Depressa
me habituarei. A insensibilidade
da mão esquerda, sê-lo-á? Ou
será da terra? A terra…
O corpo soma-se-me em terra.
De tosca e anómala não chega
a ser obscena na terra a nudez
final. Aqui neste lugar
não há lembranças da vida. Mais
depressa ainda a vida se esquecerá
de mim e deste escuro mas promissor
tirocínio a uma futura arqueologia.


Rui Knopfli - Poeta luso-moçambicano

2 comentários:

Porcelain disse...

O silêncio... os ruídos inaudíveis que nos ensurdecem e enlouquecem pela vida fora... chegam um dia ao silêncio... chega sempre o dia em que são por ele tomados, por ele engolidos... e é apenas nesse momento, e perante o horror da sua ausência, a presença do silêncio, que desejamos novamente, ardentemente, os ruídos que outrora nos enlouqueceram... e ensurdeceram.

Ou não. :-)

Lord of Erewhon disse...

Um grande poeta.

... Bem lhe podias dedicar um post a abrir a tua rubrica n'O Bar.

Abraço!
... e Santa Coelhada! :)