sábado, outubro 13, 2007

Os Elementos

Pintura de Ivone Ralha


O vento abençoou-me,
permitiu-me sentir-te,
deixou-me inalar-te.
O vento levou-me para ti,
junto a mim estás.

Arco-íris avisto de perto,
transparecendo a esperança,
de um dia colmatar o vazio de dentro.

Estou privado da liberdade,
estou maravilhado por ti primor,
quero propinar-te a minha paixão,
quero diluir-me contigo:
tornarmo-nos um ser único.

Olho o mar e o arco-íris,
traduzindo o que nele se reflecte.
Talvez seja no mar
que encontre respostas.

O meu sentimento por ti é primoso
é mais que sincero
é mas que puro
é parte de mim.

Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

quinta-feira, junho 28, 2007

Mulher das Águas


















És mulher das águas,
quando recebes em teu corpo a espuma
como bruma e beijas sábia ventura.

Tão doce tua voz como mel,
quando acalentas o rouxinol cansado
e embriagas de amor o querubim no céu.

No campo desabrocha o suave lírio,
quando tuas mãos tocam o vento
e no etéreo molduras um mosaico delírio.

Teus afagos são gemidos como músicas lascivas,
quando entorpecem as almas dos poetas loucos
e calam a noite de inveja das estrelas em orgia.

Cai a última pétala em tua túnica suave graça,
quando brilham os olhos da esmeralda e da pérola
e silencia quem passa e nunca vira mulher tão bela.

És mulher tão linda e sábia,
quando a manhã faz da sabedoria um sorriso dela
e da poesia um desejo lânguido nesse dia.

Douglas Mondo – poeta brasileiro

segunda-feira, junho 18, 2007

Pequeno Doce

Cabo-verdiana

Filha de África-Mãe,
és a sublime mistura de Angola
e Cabo-Verde.

És abençoada por mim
e pelos deuses celestes.

Transpareces a alegria
de uma vida nova e renovada,
cheia de esperança.
Colocando-te em braços meus
apaixonei-me por ti,
tua mãe bela entre as mulheres
pediu-me a tua eternidade.

Tua figura sincera e ingénua
faz-me sonhar com o mundo novo,
embalando-me até às nuvens doces do paraíso,
seduzes-me com tua ternura inconsciente.

Deixa-me dizer-te que te sonego
o desejo meu de ter além-tempo
fruto do amor e paixão
um ser tão mimoso quanto tu.



Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

quarta-feira, junho 13, 2007

Ausência

Ausência

Falta-me
O norte
Uma estrela
O caminho
Faltam-me os olhos
Com que me olhe
Falta-me a razão
De saber razões
Falta-me o instante
A mão que rasgue
semeie
Falta-me o quê?


Ângela Santos - poetisa brasileira

quinta-feira, maio 31, 2007

Naulila - a minha (amiga) angolana

Naulila


Nau conta-me histórias de Angola
embarca-me nesse sonho...
descreve-me esses períodos intemporais
do local onde nasceste.

Sei teus sentimentos
sei que sou ingénuo
a minha mente confusa
bloqueia-me deixando-me ignorante.

Tu és para mim o que
as portuguesas não são.
Transmites-me, por vezes, a acalmia
e a sensatez de que necessito.

Espero-te comigo na nossa Mãe-Menor,
creio passar momentos de amor
onde estarei na tua presença.

Lila, angolana de pouco tempo,
hoje ao som de Angola - Mãe
te escrevo, anceando por
este vazio colmatar.

Despeço-me de ti
mulher de dois tons
angolana de ritmos.

Agradeço-te por me
deixares fantasiar,
voar na imaginação
da minha terra idílica.


Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

domingo, maio 20, 2007

Almada

Cidade de Almada

Alma amada gentil que não partiste
Ficaste e enfrentaste a ditadura
Numa luta de Davi e de Golias,
Mesmo assim nunca pereceste.

O Salazarismo foi-se
Veio a Revolução dos Cravos
Depois, o cravo brigou com a rosa,
E como sempre só te restou
O verso e a prosa.

Caiu o Muro de Berlim !
Quando mais acreditávamos
Nos ventos da liberdade
O neo-liberalismo decretou o fim da história.

Em vários pontos do planeta
Os carbonários da cultura resistiram
E tu Almada, Oh, Alma Amada
Foste um destes bastiões !
Cacilhas,
Ilha de Poesia,
Castelo de Vates !

Hoje a farsa foi desmontada
Bush pai e Bush filho
estão desmoralizados,
não enganam mais ninguém.

Nós, os poetas amados
Bardos Alados, inconformados,
Seguimos o exemplo do poeta do Sado.
Elmano Sadino, é o nosso paladino
Muitas vezes designado maldito
Só por que falou do mundo como ele existe.

Não vamos parar de pensar
Nem de escrever as idéias
Por que em nosso peito bate um coração
Que jamais se calará ante a injustiça !
Tem gente que acha isso sinistro.

É vero !
AVANTI,
VIVA LA SINISTRA !

Ricardo Muniz de Ruiz - poeta mameluco brasileiro
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2007

terça-feira, maio 15, 2007

Um Homem Nunca Chora

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Acreditava naquela história

do homem que nunca chora.


Eu julgava-me um homem.


Na adolescência

meus filmes de aventuras

punham-me muito longe de ser cobarde

na arrogante criancice do herói de ferro.


Agora tremo.

E agora choro.


Como um homem treme.

Como chora um homem!


José Craveirinha - poeta luso-moçambicano

sábado, maio 05, 2007

Dispersão

Labirinto

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projecto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... mas recordo.

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas p'ra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...

.......................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
.......................................


Mário de Sá Carneiro - poeta português
(Paris, Maio de 1913)

sexta-feira, abril 27, 2007

As Palavras

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São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade - poeta português

terça-feira, abril 24, 2007

"Thinking Blogger Award"

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O meu amigo Joaquim Guerra do blog Energias Alternativas
contemplou-me com o "prémio dos blogs que o fazem pensar" uma honra imensa, tenho que lhe agradecer novamente, muito sinceramente não estava espera!

Agora os cinco blogs que me fazem pensar, embora existam mais...


  1. Tudo dos Outros da Paula
  2. Mulembeira do meu kamba Décio Bettencourt Mateus
  3. À Sombra dos Palmares da Sombra
  4. Marco Negro do activista negro Marco António dos Santos
  5. 2+2=5 que tem a colaboração do meu Prof. Armando Rocheteau


Os escolhidos deverão copiar o logotipo que deixo lá em cima e colocar na lateral do blog. Para além de terem de nomear outros cinco.

Meus amigos, amigas um grande abraço pelos comentários e visitas,
quanto aos premiados é de louvar o que postam, só tenho a agradecer.

A companheiro Joaquim obrigado pela confiança, muita luz e energia!

A Criação

A Criação - Toque de Midas

Deus fez a mulher,
O Diabo a possuiu.
O homem então fez a poesia.

Essa moral judaico-cristã
Cansa a minha beleza.

Não é preciso ir muito longe
Pesquisar o Tao no Oriente
Pra sacar coisa melhor.
Aqui mesmo em Pindorama
Existe a moral Yorubá…
A feminina Odudua
E o masculino Obatalá
Fizeram juntos a criação:
Da Terra, da Gente e a Natureza.

A moral Ocidental
Explica a Criação
Na oposição Deus-Diabo.
A mulher no caso
É mera coadjuvante.
Olha aqui,
Não me leve a mal,
Mas a moral Ocidental
É homossexual!

Ricardo Muniz de Ruiz – poeta mameluco-brasileiro

sábado, abril 21, 2007

E Se Amanhã O Medo

Fear

De quantos medos é feito o mundo?
E se amanhã o medo me invade?

O que é o teu medo?
Qual é o meu medo?
Que medos se escondem
na cave escura da minha mente?

Qual é o medo do mundo
que te rodeia?, ou qual é o medo
que me suga o espírito,
quando o meu coração o consente?

E se o medo me apanha desprevenido?
E se o mundo mudo cheio de medo,
me envolve no buraco em espiral?

E se amanhã o medo te pega,
como vais reagir?
E esse teu estúpido medo,
quem é? Sou eu?

Que medo tens de ti própria?
E porque me foges de medo,
para esse teu castelo invisível?

Sabes que medos me assaltam
o coração, quando este se nega
a admitir a sua fraqueza?

Este medo excruciante,
mostra-me as verdades ocultas,
do homem como homem,
e que os medos se transmitem
como vírus.

Hoje tombei com um medo
não-familiar, mas de família que não é.
Esse medo apunhalou-me,
e eu como praça-marechal,
caí estarrecido nos braços escuros do medo.


Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

quarta-feira, abril 18, 2007

Mãos

Nas tuas mãos
Ardia
barco de espuma
rede

das tuas mãos escorria
língua de fogo
sede

nas tuas mãos
sentia
dobra do vento
febre

nas tuas mãos
tremia
nome da vida
tempo.

Ana Paula Tavares - poetisa angolana

terça-feira, abril 17, 2007

Os Meus Pés Descalços

Pés descalços - Marcas

Os meus pés andantes
Procuram a palanca real, palanca negra
E desencantam as quedas de Kalandula
Quedas da minha terra
Oh é bela Angola
É bela Angola e são felizes os meus pés caminhantes

Os meus pés empoeirados
Acariciam subsolo rico, ouro negro a jorrar no alto mar
Ouro negro a jorrar no offshore
E no onshore
Ouro negro a brotar
Das entranhas do mar, para os meus pés esfomeados!

Os meus pés garimpeiros
Apalpam tesouros e mais tesouros
Minas de diamante, ferro, cobre, prata, ouro…
Debaixo dos meus pés ásperos
Minas de diamante debaixo dos meus pés maltratados
Debaixo dos meus pés esfomeados

Os meus pés camponeses
Galgam a terra, terra boa de agricultura
Terra boa de verdura
E farta de feijão, mandioca, milho, batata…
Terra boa, terra farta
Debaixo dos meus pés famintos e felizes

Os meus pés pescadores
Banham-se em mares ricos
Mares de garoupas, corvinas, carapau, mariscos…
E mergulham em rios fartos, Kwanza, Kubango
Keve, Bengo…
Águas fartas a banharem os meus pés sofredores

Os meus bolsos vazios
Vêem outros bolsos vazios aterrar desnutridos
E depois, bolsos cheios
A levantar voo, a embarcar abastados
Bolsos cheios a embarcar com sorrisos
A embarcar abarrotados, oh que paraíso!

Os meus pés descalços
Clamam por migalhas, clamam por pedaços
Os meus bolsos vazios
Não clamam por milhões, não clamam por rios
Os meus bolsos vazios e os meus pés famintos
Clamam somente por migalhas de alimentos!


Décio Bettencourt Mateus - poeta angolano
Em "Os Meus Pés Descalços"

terça-feira, abril 10, 2007

Mulher de Azul

Não te amo mais.
Estarei mentindo se disser que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que não significas nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

Luís Vaz de Camões - poeta português


Obs: Agora lê de baixo para cima.

segunda-feira, abril 09, 2007

O Convertido

O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!

Antero de Quental - poeta português

sábado, abril 07, 2007

Livro de Horas

A Máscara de Ivone Ralha

Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.


Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.


Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.


Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.


Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.


Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.


Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!


Miguel Torga - poeta português

quarta-feira, abril 04, 2007

Respiro o Teu Corpo

Sensualidade - Thierry Le Goues

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade - poeta português

segunda-feira, abril 02, 2007

Quem És Tu, Moçambicana?

Mulher de Moçambique


Do norte de Moçambique vislumbro-te,
mulher que julga o mundo
através de uma foto indefesa.

Moçambicana coberta desse pigmento
que provem da terra,
pareces o que jamais no meu mundo existiu.

Esse pano que levas na cabeça,
é para te proteger do sol por demais quente?
Ou é para transpareceres
os costumes do teu místico local?

Estátua imóvel no silêncio vivo,
olhas-me desafiando-me,
para onde me queres levar?

Olho-te...
procurando saber que omites
com o teu olhar sábio,
procurando encontrar parecenças
comigo na tua expressão,
desejando sentir aquilo
que só tu me podes dar.

Mãe, avó, sábia, feiticeira,
protectora, simples mulher,
quem és tu mulher revestida
pela magia da nossa Mãe?

Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

sexta-feira, março 30, 2007

Recônditas Palavras

O Homem Escondido

Inquietam-me as dedadas
de deus rente à raiz da carne, ao indeciso
equilíbrio da alma
na balança, à cicatriz
azul do céu sobre o destino.

O mar pneumático, ao sabor
do qual contra os sentidos se nos fazem
e desfazem as ávidas lembranças,
assalta-me os sentidos, tenebrosas

crateras escavadas
no espírito e através
das quais, incandescentes, as imagens
do mundo sobre ele próprio se derramam

como uma lava espessa, esses sentidos
que, como aéreos
estigmas, nos imprimem
na carne a cicatriz do céu, a indecisa
maneira de as imagens

do mundo se guindarem
mais alto do que a alma ou o alento
de quem dentro de nós
aviva a sua chama. O que nos sai
do coração vem a ferver.

A carne, ao rés
da qual o céu se encurva, báscula
que deus deixou nos arredores
dum qualquer lugarejo

a encher-se de ferrugem, cicatriz
pesada, combustível, com raiz
nas mais profundas trevas, a carne âncora
submersa no destino, ergue-se a pique

de novo onde as lembranças
se fazem e desfazem
com todo o azul do céu
lá dentro a procurar rompê-Ia.

Sentados no convés, como se fosse
já noite e nos soubesse
o pão ao ranço da memória, contemplamos
os rudes marinheiros.

Depois que pela encosta procurámos
em vão uma escada de que o último
degrau fosse já dentro da memória,
suspenso na memória,

desfaz-se-nos dos ossos
a carne, com o seu quê de lírico e festivo,
em áreas portuárias onde o mar
nos sai do coração para galgar o molhe,

e, agora que começam
os anos a pesar
mais para trás que para a frente, acodem-nos
recônditas palavras aos ouvidos:

«Fecharam-se-te os olhos e eu fiquei de fora»,

«Nas tuas mãos começa o precipício».



Luís Miguel Nava - poeta português
(Vulcão I Poesia Completa
1979-1994 Publicações D. Quixote
2002)

quarta-feira, março 28, 2007

Soneto do Epitáfio

Elmano Sadino

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".

Manuel Maria Barbosa du Bocage - poeta português

terça-feira, março 27, 2007

Noite

Bairro

Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.


Agostinho Neto - poeta angolano
(Sagrada Esperança, 1974, Lisboa, Sá da Costa)

domingo, março 25, 2007

Era Isso Mesmo

fernando Pessoa

ERA ISSO mesmo -
O que tu dizias,
E já nem falo
Do que tu fazias...
Era isso mesmo...
Eras outra já,
Eras má deveras,
A quem chamei má...

Eu não era o mesmo
Para ti, bem sei.
Eu não mudaria,
Não - nem mudarei...

Julgas que outro é outro.
Não: somos iguais.


Fernando Pessoa - poeta português

sábado, março 24, 2007

Havia Séculos

Quadro de salvador dalí

Havia séculos
e eram florestas sobre florestas escritas.
O canto cantava: era o incêndio do vento

folheando a memória da terra

essa maranha de raízes aéreas que nasciam enterrando
mais fundo as árvores anteriores;
essa teia nocturna de troncos e lianas, de ramos e folhas,
nervuras que os versos enervam irrespiráveis;
esse mapa em relevo lavrado pela paciência da luz
que atrasando-se recorta
estas estranhas esculturas do tempo:
os poemas selvagens

o máximo excesso de uma rosa aquática e frágil
sempre a nascer desfiladeiros
e falésias, fendas, quebradas, ravinas
vulcões que deflagram em écrans sucessivos

Havia séculos
e o cinema dos astros
acendia ampolas e bagas, campânulas, cápsulas, lâmpadas;
punha em música a infinita noite dos versos que longamente
escutam
aqueles que muito antes ou muito depois vieram ou virão
até estes anfiteatros que os desertos invadem.

Havia séculos
e / atravessando as ruínas dessa terra quente, as páginas
de água dessa rosa alucinada / havia esse:
o comum de nós que dos seus se dividindo, verso
a verso, procura ainda alguém. E assim
era de novo o início.

A grande migração das imagens — havia séculos —
desde há muito começara, desde sempre, já.
E sem cessar migrávamos nós, inquietos e perdidos

sem paz e sem lei, sem amos nem destino.


Manuel Gusmão - poeta português
(Migrações do Fogo, Editorial Caminho, Lisboa, 2004)

quinta-feira, março 22, 2007

Cinzento

O Quadro Cinzento - de Maria Helena Vieira da Silva (1908 - 1992)

É tanto teu o tempo. Tão nosso.
Conversa de resto esquecida
ainda não sei se posso
lembrar a estória proibida.

Que qualquer Deus te comanda. Bem sei.
A coragem nasce da loucura
sarando as feridas do que sonhei
para o regresso urgente da ternura.

Queríamos mais. Reconheço em ti.
O cinzento da manhã nasce na cama
já não sei se sofri o que sofri
desejos inflamados por tua chama.

É tanto o ser agora. Talvez jamais.
Cercas muros grades construídas
escrevemos tantas coisas nos murais
mestres em ilusões vencidas…

Vang – poeta angolano

quarta-feira, março 21, 2007

Há Palavras que Nos beijam

No Livro

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill - poeta português

terça-feira, março 20, 2007

Como Um Cão

Lua

Como um cão curvo-me
e procuro ler nas marcas
que a noite não pôde
recolher o tempo.


Anima-me a superfície fabulária
onde o olhar do dia revolve
o que foi alvoroço vida
ou sinal ténue.


Detenho-me na pegada junto à cama
e a mão precavida incha a memória
nenhuma sensação acende
o que já está perdido.


(Perdidos os meus passos? A minha voz?
é assim tão terrível o amor ao homem?
a justiça foi calcinada em que ritual?)


Pouso então devagarinho
o ouvido na parede húmida
e eis que uma sombra volta-se
num largo aceno de simpatia.


Na paz indizível sopra
a fina aragem desanoitecida
a leve impressão
de um cochichar
uma porta entreaberta
onde pulsa uma esperança.

(Ontem já foi passado e o minuto que vem já é futuro).


Heliodoro Baptista - poeta luso-moçambicano

domingo, março 18, 2007

Mil Faces

Ser

Mil léguas de distância percorreste,
em mil espelhos enfrentaste a imagem de que fugias,
mas em tua alma vias
mil cores que te abraçavam
que em mil danças te lançavam.
Contra mil lobos lutavas,
Mil vidas tu tiravas.

Sobre mil mares navegaste
em mil mundos procuraste
as mil faces que vestiste
sobre a face que não viste.
Em mil sonhos que não sonhaste
foi-se a vida que perdeste!

Sentir o toque do mar imenso
inundar o espírito,
purificar o ser,
como se de água fosse feita a alma.
Descer às profundezas
de um abismo de cor,
deixar de pensar,
exorcizar a dor,
deslizar lentamente
sobre um céu de mil prantos
e ser um só com o mar.

António Boieiro - poeta português

sábado, março 17, 2007

Porque

Caminhando

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.


Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.


Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.


Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner - poetisa portuguesa
(“No Tempo Dividido e Mar Novo”,
Edições Salamandra, 1985, p. 79)

sexta-feira, março 16, 2007

As Dores do Mundo

Meninos de Rua em Musseques de Luanda

Crianças rotas engolidas pelos esgotos
infectados, lotados de ratos, tentando escapar
dos atos violentos de homens armados e
dos atos obscenos de homens depravados.


Crianças avariadas, tragadas por um
preparado glutinoso, viciadas pela dor,
humilhadas pela cor e, por decreto,
agonizam sob as pontes de concreto.


Crianças esquálidas, desumanizadas pelos
corpos mirrados, pelas cabeças enormes
entre os ombros disformes, cuja imagem
se configura a um espectro da morte.


Crianças traficadas, mortas e mutiladas,
cujos órgãos seccionados são leiloados
a preço de uma inocente vida para serem
implantados nos corpos em busca de vida.


Crianças exploradas sexualmente, incluídas
como apelo principal do turismo sexual para
servirem aos prazeres do turista bestial que
despeja a sua podridão no corpinho virginal.


Crianças escravizadas, exploradas pelos
pais e patrões em troca de alguns tostões
ganhos com mãos, braços, pernas e pés que
se atarão para sempre aos grilhões da servidão.


Crianças, esses seres tão vulneráveis que por
vezes são aviltados dentro dos seus próprios lares,
pois lá, atrás da máscara de proteção, sofrem todo
tipo de agressão por parte do seu guardião.


Crianças que um dia servirão a essa nação
como meretrizes, assaltantes, traficantes...
que ocuparão espaço nas celas e favelas e
continuarão sofrendo todas as dores do mundo.



Edna Oliveira de Sant' Ana - poetisa brasileira
"As dores do mundo (Infância violada): poesia
Salvador, 02 de Abril de 2004."

quinta-feira, março 15, 2007

Os Poemas

Poesia

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


Mário Quintana - poeta brasileiro

quarta-feira, março 14, 2007

Mantém a Tua Mão

Thierry Le Goues

Mantém a tua mão
No rigor das dunas
Andar no arame
Não é próprio de desertos

Cruza sobre mim
As pontas do vento
E orienta-as a sul
Pelo sol

Mantém a tua mão
Perpendicular às dunas
E encontra o equilíbrio
No corredor do vento

A nossa conversa percorrerá oásis
Os lábios a sede

Quando saíres
Deixa encostadas
As portas do Kalahari.



Paula Tavares - poetisa angolana
(Manual Para Amantes
Desesperados, Fevereiro de 2007)

terça-feira, março 13, 2007

Opiário

Álvaro de Campos

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro


É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes,
Ergue-se a lua como a minha Sina.

Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
Não faço mais que ver o navio ir
Pelo canal de Suez a conduzir
A minha vida, cânfora na aurora.

Perdi os dias que já aproveitara.
Trabalhei para ter só o cansaço
Que é hoje em mim uma espécie de braço
Que ao meu pescoço me sufoca e ampara.

E fui criança como toda a gente.
Nasci numa província portuguesa
E tenho conhecido gente inglesa
Que diz que eu sei inglês perfeitamente.

Gostava de ter poemas e novelas
Publicados por Plon e no Mercure,
Mas é impossível que esta vida dure.
Se nesta viagem nem houve procelas!

A vida a bordo é uma coisa triste,
Embora a gente se divirta às vezes.
Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.

Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

Sou desgraçado por meu morgadio.
Os ciganos roubaram minha Sorte.
Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
Um lugar que me abrigue do meu frio.

Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avòzinha que anda
Pedindo esmola às portas da Alegria.

Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
Volta à direita, nem eu sei para onde.
Passo os dias no smokink-room com o conde -
Um escroc francês, conde de fim de enterro.

Volto à Europa descontente, e em sortes
De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu sou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.

Gostava de ter crenças e dinheiro,
Ser vária gente insípida que vi.
Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
Num navio qualquer um passageiro.

Não tenho personalidade alguma.
É mais notado que eu esse criado
De bordo que tem um belo modo alçado
De laird escocês há dias em jejum.

Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou. Sou doente e fraco.
O comissário de bordo é velhaco.
Viu-me co'a sueca... e o resto ele adivinha.

Um dia faço escândalo cá a bordo,
Só para dar que falar de mim aos mais.
Não posso com a vida, e acho fatais
As iras com que às vezes me debordo.

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

Escrevo estas linhas. Parece impossível
Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!
O fato é que esta vida é uma quinta
Onde se aborrece uma alma sensível.

Os ingleses são feitos pra existir.
Não há gente como esta pra estar feita
Com a Tranqüilidade. A gente deita
Um vintém e sai um deles a sorrir.

Pertenço a um gênero de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.

Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
Nem leio o livro à minha cabeceira.
Enoja-me o Oriente. É uma esteira
Que a gente enrola e deixa de ser bela.

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que o não veja!

Ora! Eu cansava-me o mesmo modo.
Qu'ria outro ópio mais forte pra ir de ali
Para sonhos que dessem cabo de mim
E pregassem comigo nalgum lodo.

Febre! Se isto que tenho não é febre,
Não sei como é que se tem febre e sente.
O fato essencial é que estou doente.
Está corrida, amigos, esta lebre.

Veio a noite. Tocou já a primeira
Corneta, pra vestir para o jantar.
Vida social por cima! Isso! E marchar
Até que a gente saia pla coleira!

Porque isto acaba mal e há-de haver
(Olá!) sangue e um revólver lá pró fim
Deste desassossego que há em mim
E não há forma de se resolver.

E quem me olhar, há-de-me achar banal,
A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
O meu próprio monóculo me faz
Pertencer a um tipo universal.

Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Se ao menos eu por fora fosse tão
Interessante como sou por dentro!
Vou no Maelstrom, cada vez mais pró centro.
Não fazer nada é a minha perdição.

Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

Tenho vontade de levar as mãos
À boca e morder nelas fundo e a mal.
Era uma ocupação original
E distraía os outros, os tais sãos.

O absurdo, como uma flor da tal Índia
Que não vim encontrar na Índia, nasce
No meu cérebro farto de cansar-se.
A minha vida mude-a Deus ou finde-a ...

Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
Até virem meter-me no caixão.
Nasci pra mandarim de condição,
Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.

Ah que bom que era ir daqui de caída
Pra cova por um alçapão de estouro!
A vida sabe-me a tabaco louro.
Nunca fiz mais do que fumar a vida.

E afinal o que quero é fé, é calma,
E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas —
E basta de comédias na minh'alma!

(No Canal de Suez, a bordo)

Álvaro de Campos - poeta português

segunda-feira, março 12, 2007

Hino ao Tejo

Rio Tejo

Ó Tejo das asas largas

Pássaro lindo que se ouve em todas as ruas de Lisboa

Ó coroa duma cidade maravilhosa

Ó manto célebre nas cortes do mundo inteiro

Faixa antiga duma cidade mourisca

Fênix astro caravela liquida

Silêncio marulhante das coisas que vão acontecer

Deslizar sem desastres sem fado sem presságio

Tu ó majestoso ó Rei ó simplicidade das coisas belíssimas

Nas tardes em que o sol te queima passo junto de ti

E chamo-te numa voz sem palavras marejada de lágrimas

Meu irmão mais velho


Alberto de Lacerda - poeta luso-moçambicano

sábado, março 10, 2007

África... Um Coração Selvagem

Cartaz de Pinturas de Ivone Ralha

Estende os teus braços e fecha os olhos...
Abre a tua mente e o teu coração...
Ouve a música e sente o pulsar da terra...
Sente-me...

África... a rosa negra...
A terra das acácias, dos dongos,
dos comunitários embondeiros...
O sol e o solo cálidos,
Onde o verde nunca é verde,
e o laranja doirado é a cor predominante...

São palavras de vida em acordes de amor...
Um canto novo, puro e livre
numa imensidão de sentimentos
que experimentamos ao sabor do tempo
na cena de um filme que jamais poderei esquecer...

Navego nas lágrimas de um povo...
de rosto negro, semblante régio,
no qual desabrocha um sorriso
que aquece o corpo e devolve a vida
a um coração selvagem...

Uma história... uma longa história...
Inconsequente... talvez...


Lia - poetisa portuguesa
(http://apraiadodestino.blogspot.com)

Ritmos do Meu Povo

Crianças

Segui brechas sombrias de ritmos
sulcadas na mbila dum povo alegre
segui flautas, frémitos, pausas, silêncios...
timbres de vozes inchadas de vertigem
segui célere,
ritmos do meu povo
timbres de vozes isoladas
e no verso,
um povo cruzado em favos.

Segui brechas sombrias de ritmos
no instinto e na origem
timbres do meu povo
segui vísceras,
no ventre duma lágrima
ténue, e devagar...
Ritmos do meu povo

Segui brechas sombrias de ritmos
e nos escombros da vida dum solo
encontrei uma palavra,
encontrei uma penumbra
dum menino alegre colorido de lágrimas
com um tambor de nada ás costas
baquetas de ferro em punho e carnívoras
naquele menino da pátria feliz!
naquele menino feliz cruzado de sonhos!
naquele menino feliz pousado de canto e que canta!
Ritmos do meu povo,
segui brechas sombrias de ritmos.

Noé Filimão Massango - poeta moçambicano

quarta-feira, março 07, 2007

Mãos Esculturais

Um Negro

Além deste olhar vencido
cheio dos mares negreiros
fatigado
e das cadeias aterradoras que envolvem lares
além do silhuetar mágico das figuras
nocturnas
após cansaços em outros continentes dentro de África

Além desta África
de mosquitos
e feitiços sentinelas
de almas negras mistério orlado de sorrisos brancos
adentro das caridades que exploram e das medicinas
que matam

Além África dos atrasos seculares
em corações tristes

Eu vejo
as mãos esculturais
dum povo eternizado nos mitos
inventados nas terras áridas da dominação
as mãos esculturais dum povo que contrói
sob o peso do que fabrica para se destruir

Eu vejo além África
amor brotando virgem em cada boca
em lianas invencíveis da vida espontânea
e as mãos esculturais entre si ligadas
contra as catadupas demolidoras do antigo

Além deste cansaço em outros continentes
a África viva
sinto-a nas mãos esculturais dos fortes que são povo
e rosas e pão
e futuro.

Agostinho Neto - poeta angolano

terça-feira, março 06, 2007

Taciturno

Taciturno


Há ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Jóia profunda a minha alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe real de heróis d´Outras bravuras
Em Mim se despojou dos seus brazões e presas.

Heráldicas-luar sobre impetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Basílicas de tédio, arneses de crispado,
Insígnias de Ilusão, troféus de jaspe e Outubro...

A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou - embalde a tentarão descer...
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer -
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido...

Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trono a espessas densidades,
Onde os panos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redor, ânsias, lassas, absortas...

Há roxos fins de Império em meu renunciar -
Caprichos de setim do meu desdém Astral...
Há exéquias de heróis na minha dor feudal -
E os meus remorsos são terraços sobre o Mar...

Mário de Sá Carneiro - poeta português
(Paris - Agosto de 1914)

segunda-feira, março 05, 2007

Odes de Ricardo Reis

Caminhando serenamente

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Ricardo Reis - poeta português
(1 de Julho de 1916)

sábado, março 03, 2007

A Pátria

Planeta Terra - Mundo

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!

Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!


Olavo Bilac - poeta brasileiro

Adeus

Xingu - Dida Sampaio

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade - poeta português

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Canção Grata

Mulher Forte

Por tudo o que me deste
inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia
Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Florbela Espanca - poetisa portuguesa

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Eu, Que Sou Feio...

Pintura de Ivone Ralha

Eu, que sou feio...

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Cesário Verde - poeta português

sábado, fevereiro 24, 2007

Grandes Obras

País da Corrupção

No país da democracia
uma enorme obra tornou-se
absolutamente necessária
para que a hipocrisia
junto com a inveja e a bobagem
tomassem posse do estado
e mal fizessem às pessoas do bem Todo Mundo
grão-mestre daquela nação
convocou Alguém para executar
a inadiável tarefa

Alguém
embolsou 40 % da verba
e ofereceu o restante para que
Qualquer Um
tocasse a obra à sua maneira Qualquer Um
cobrou 30% de comissão
e dividiu o que sobrou com
Alguém
que ofereceu-se para suar a camisa
e tocar a obra até o fim no fim: deu tudo errado
e Todo Mundo culpou Alguém
porque Ninguém fez
o que Qualquer Um
poderia ter feito
mas não fez ...mesmo assim
Ninguém foi preso
pelo grande fracasso.

Tavinho Paes - poeta brasileiro
(Publicado no panfleto O KÚMPLICE DO TARADO - 1979)

Poema da Amante

Amantes

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.


Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até à região onde os silêncios moram.


Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.


Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.


Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.


Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Adalgisa Néri - poetisa brasileira

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Histórias, Choros e Esperanças

Fotografia de Crianças do Haiti

No meu Muro das Lamentações
me encontro,
choro pela barbárie cometida,
entre irmãos e irmãos.

Luanda-Mãe, vejo de perto e longe
a tua imparável decadência:
"catorzinhas" de Roque de Santeiro,
meninas-mulheres subjugadas
à industria do sexo.
Ndengues(1) na rua que não é rua
delicia-se ávidos de comida
nas "panelas de 4 rodas".

Na Angola descrente e desacreditada,
“meninos de esgoto” sobrevivem
num mundo subterrâneo,
onde vivem para não lembrar,
permanecem estáticos pensando
que o mundo urbano é o perigo fatal,
a imaginação cavalga enquanto a realidade
lhes nega a panaceia sonhada.

E nossas mães Mãe...
morrem como animais
diante de nossos olhos
pelos "soldados perfeitos".
E nós Mãe, ao entardecer
refugiamo-nos em kubicos(2)
onde não dormimos, porque os
pesadelos de guerra reais
assombram-nos repetidamente.

A fome indelével
arrasta-nos para a morte inevitável,
as raízes de banana findaram,
então virámo-nos para os cães
e quando estes não mais encontramos,
os gatos seguiram-lhes.
E o inverso igualmente sucedeu.

Crianças pequenas reproduzem a guerra,
canas de milho transformam-se
repentinamente em armas de combate,
Fazendo-nos reviver o pesadelo da guerra.

Para aonde nos levam Mãe?
Seguimos em carrinhas,
levados por não sei quem,
para não sei onde.
Somos animais de troca,
a escravidão retornou.

Aqui no nosso país a ditadura
faz-se passar por democracia,
mas esta fazemos nós.
Sobrevivemos nos prédios
destruídos pelos confrontos,
subsistimos como os nossos
honrados avós,
no tempo em que as grilhetas
aprisionavam seus corpos.

De ti me arrancaram,
mesmo antes de nascer.
Reafricanizo-me tentando honrar-te,
luto por ti e pelos meus irmãos
procurando a África emancipada
livre da prisão da mente.
Redobro minhas forças
dignificando-te e elevando-te,
esperando um dia, o novo sol!


(1) Miúdos, crianças. (trem. kimbundo)
(2) Casas. (derivado do kimbundo)



Nelson Ngungu Rossano - poeta neo-afro-lusomestiço

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Visão

Fotografia de Thierry Le Goues

Vi-te passar, longe de mim, distante,
Como uma estátua de ébano ambulante;
Ias de luto, doce toutinegra,
E o teu aspecto pesaroso e triste
Prendeu minha alma, sedutora negra;
Depois, cativa de invisível laço,
(O teu encanto, a que ninguém resiste)
Foi-te seguindo o pequenino passo
Até que o vulto gracioso e lindo
Desapareceu longe de mim distante,
Como uma estatura de ébano no ambulante.


Caetano da Costa Alegre - poeta são-tomense

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Soneto de Carnaval

Cara de um carnaval

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrando uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.


Vinicius de Morais - poeta brasileiro

domingo, fevereiro 18, 2007

Poema de Mulher

veronica_zemanova

Que mulher nunca teve
Um sutiã meio furado,
Um primo meio tarado,
Ou um amigo meio viado?

Que mulher nunca tomou
Um fora de querer sumir,
Um porre de cair
Ou um lexotan para dormir?

Que mulher nunca sonhou
Com a sogra morta, estendida,
Em ser muito feliz na vida
Ou com uma lipo na barriga?

Que mulher nunca pensou
Em dar fim numa panela,
Jogar os filhos pela janela
Ou que a culpa era toda dela?

Que mulher nunca penou
Para ter a perna depilada,
Para aturar uma empregada
Ou para trabalhar menstruada?

Que mulher nunca comeu
Uma caixa de Bis, por ansiedade,
Uma alface, no almoço, por vaidade
Ou, um canalha por saudade?

Que mulher nunca apertou
O pé no sapato para caber,
a barriga para emagrecer
Ou um ursinho para não enlouquecer?

Que mulher nunca jurou
Que não estava ao telefone,
Que não pensa em silicone
Ou que “dele” não lembra nem o nome?


Gisele - poetisa brasileira

sábado, fevereiro 17, 2007

Prostitutas Misérias entre Mar e Janelas

Pintura de Ivone Ralha



No quadragésimo aniversário

da explosão de Hiroshima





1. Nascemos quase pelas horas quase

iluminadas pelas cortinas que

ocultam a ausência humana. E

falecemos entre as sombras da

presença humana. A palavra sentida

há de calar a dor. Devíamos ter dito

duas vezes a oração bordada - a

estreita oração que nos ensinou a

bíblia de pedra. Da palavra sentida

há de nascer o amor. As avenidas

cantam e dizem lagartos para

escurecer as noites que nos vêm da

madrugada. Na palavra sentida há de

crescer a flor. Os leões inventam

microfones que em duas línguas

dizem tudo em duas palavras para os

ouvidos de dois mundos que se

ajoelham em dois caminhos. Temos

de conhecer o mar. Temos de dançar

ao pé das janelas. E crepúsculo

estará na neve do crepúsculo que há

de vir congregado em pedras do

crepúsculo.



2. O velho continente acordou e

deixou de sonhar com as estátuas de

cinza. A América se levantou e se

contorce de recessão espacial nos

pastos que enchem os peitos do gado

com o qual havemos de alimentar os

silêncios da África. As Américas

colecionam lembranças da

escravatura. E África coleciona

lábios para beijar folhas e árvores

perdidas no deserto por habitar. Aqui

os dias caem no chão e ninguém os

quer contar. Mas de noite cantamos

os dias que se abrem. Estendidos no

chão. Espiados pela mão que para a

noite vai. A carne, a flor, o sal, o

sangue e a água se misturam para

soprar felicidade ao mar e às

janelas. Temos de conhecer o mar.

Temos de dançar ao pé das janelas.

E o crepúsculo estará na neve do

crepúsculo que há de vir congregado

em pedras de crepúsculo.


João Maiomona - poeta angolano