quarta-feira, janeiro 31, 2007

Monogamia

Valete


Tu és desagregação
és manipulação
arma dos oportunistas, sustento dos ignorantes
revelas-te outros perigos que não existiam antes
quando Jesus profetizou contigo há mais de 2000 anos
muitos ficaram atraídos, Cristo era cativante
Maomé também pregou contigo e deu a luz muçulmanos
Tu criaste o Judaísmo, Islamismo, Cristianismo
fundas-te todas as religiões, eu generalizo
sempre engrandeces-te Europeus e suas vitorias
e escondes-te a barbárie que fez África virar colónia
enalteces-te homens que deixaram América sem memória
foste tu que escreves-te os nossos manuais de
história
hoje para legitimar acções de neo-liberais
vens descarada em jornais, rádios e telejornais
por isso 90% do nosso povo são invisuais
programados como se fossem inaptos mentais
eu vejo a gratidão que em por ti esses políticos
e como desfilam contigo sem valores sem princípios
como te usam em tempos de antena e em comícios
es tu que fazes eleger os nossos primeiros-ministros
por tua causa milhões de corações ficam partidos
amigos largam amigos, esposas largam maridos
tu foste a criação para a destruição dos indivíduos
eu estou na oposição por isso não contes comigo


(Refrão)
Laaa, laaa
laaa,laaa
Tu não podes contar comigo
laaa,laaa




Ela é bem diferente de ti por isso guardo-a no meu
peito
habita, em todo o sentimento que eu liberto
é bela, é justa, só tem uma cara
aqueles que a governam sempre querem ofusca-la
ela traz as palavras de aflição que ninguém ouve
aquele grito de raiva na manifestação do povo
é o único discurso que os manos abraçam
a imagem dos subúrbios, que as câmaras não captam
é o produto oculto que os mass-media não relatam
o que eu largo no estúdio e que os meus putos papam
ela vem iluminada nos poemas que eu propago
vem metaforizada nos livros de Saramago
os filhos do Diabo activos do outro lado
ja tentaram inferioriza-la ridicularizando Castro
tentaram atemoriza-la censurando o meu rap
tentaram silencia-la assassinando Malcolm X
tentaram intimida-la torturando Maringuela
tentaram encarcera-la com Nelson Mandela
também tentaram troca-la por futebol e novela
anestesiaram esses inválidos que hoje vivem longe dela
mas ela continua aqui jamais irão suprimi-la
jamais irão tira-la da minha capela
vou continuar a veicula-la, só me param com balas
tu sabes quem fala é o mensageiro dela



Eu resisti no meio de gente mais falsa que possas
imaginar, a mentira nunca me atraiu, eu sempre andei
de mão dada com a verdade, e é com ela que tenho um
pacto até a morte.

MONOGAMIA

Valete – rapper e poeta luso-santomensse

domingo, janeiro 28, 2007

Seria o Amor Português (Variações Sobre Um Fado)

Pintura de Ivone Ralha


Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.

Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
"Que me importa que batam à porta..."
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta.


Fernando Assis Pacheco - poeta português

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Autopsicografia

Fernando Pessoa


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa - poeta português
(27 de Novembro de 1930)

terça-feira, janeiro 23, 2007

O Mundo Está Vermelho

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O mundo está vermelho
Do sangue em nome do ego
Da guerra em nome de Deus
Do sol que foi violado
Do perigo sem castigo
Do figurino do demo
Da tortura do mergulho
De uma conta no especial


Que impere o branco dos lírios
Das pétalas do girassol
Da nuvem que enfeita o azul
Dos flocos de neve nobre
Do vestido da moça bonita
Das penas da ave solta
Na bandeira que tremula
E sossega a alma em Paz!


Lidoka – poetisa brasileira

domingo, janeiro 21, 2007

Poema de José Craveirinha Num Dia Em Que Estava Todo De Negro

De Negro


Para Hitler - um Craveirinha judeu dedica


Olhem José Craveirinha que vai
vestido de negro passando
com longas pestanas descidas sobre os trágicos mundos
dos nostálgicos olhos profundos.

Olhem José Craveirinha que leva o autêntico cerne
não de platonismo de lagoa de reflexos de platina
não de um canto de cigarra farta no ramo de uma acácia urbana
não de uns flectidos braços de mulher na lânguida madrugada
não de uma semente estéril num chão de pedras
não de um silvo de fábrica na manhã do bairro
não de nada disso
nas do signo romântico das aves que cantam
na fatal paisagem de um continente
e nos poemas subversivos que o poeta não inventou.

Olhem José Craveirinha que vai
vestido de negro passando
no luto calmo de si mesmo.

Leva amor no brilho mágico dos olhos negros
amor de seus filhos e seus irmãos
de sua esposa e da mulher amada
e de tanto quererem levá-lo
leva África nos lábios duros.
Oh, leva África nos lábios duros
de tanto quererem levá-lo.

Olhem José Craveirinha que vai
vestido da sina geométrica das quatro paredes
(Quantas noites podes ficar de pé,
José Craveirinha?)
lisas e direitas como um féretro de cimento
onde o querem desumanizar.

Negros são os seus olhos
(quantas noites podem ficar encandeados os teus olhos,
José Craveirinha?)
dois carvões de presságios
da dor que vier fecunda a acontecer.

Ninguém chore ainda
ninguém lhe mande coroas de rosas
ninguém lhe dedique elegias
lápidas gravadas
e um dia músicas de "parabellum".
E ninguém tenha saudades enquanto não morrer
da morte esperada que lhes derem.
(Oh, quantas horas podes ficar com essas alianças
nos metacarpos apertados, José Craveirinha?)

Leva nos olhos escuros a imagem secreta
das mulheres que mais amou
e na polpa dos dedos José Craveirinha leva os bicos
túmidos dos seios que beijou.
Magro e subversivo
Oh, José Craveirinha que vai
na nuvem de fogo dos pensamentos poéticos
(ah, o perigo dos pensamentos poéticos de
José Craveirinha)
a trinta e cinco metros vigiado
por um atento cidadão bem remunerado.

Olhem José João Craveirinha num jipe
olhem José João Craveirinha acompanhado
olhem José João Craveirinha incomunicável
olhem José João Craveirinha preso.
E a notícia correu, célere na cidade construída na margem do mar
correu sobre os prédios e as copas dos cajueiros
correu de canto a canto
correu de boca em boca
correu nas iras do vento sobre a fronde dos coqueiros
correu de lés a lés como um rio sem parar

Ah, quantas morenas teve José Craveirinha
ah, quantas loiras amou José Craveirinha

E nos versos que escreveu
quantas mulheres
árvores e pássaros austrais
homens e crianças
ventos e rios e céus cheios de sinais
José Craveirinha cantou?

Olhem José Craveirinha que vai
no fatalismo atávico dos tambores rongas
passando vestido de negro
no luto de si mesmo.
Envolvido no feitiço imutável do seu destino
Olhem José Craveirinha
Olhem José Craveirinha que vai
preencher a geometria das paredes
carinhosas na bárbara nudez de pedra.

Olhem José Craveirinha
Olhem José Craveirinha passando
Olhem José Craveirinha que vai.


José Craverinha - poeta luso-moçambicano
(Poema publicado na Revista Português
em Cordel nº 5, Junho de 1995)

quarta-feira, janeiro 17, 2007

A Canção do Africano

World Press Photo 2005


Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto o braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez, pr'a não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

"O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar...

"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".

O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
P'ra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!

Antônio de Castro Alves - poeta afro-mameluco brasileiro

terça-feira, janeiro 16, 2007

Epílogo

Nos Joelhos do Silêncio de Heliodoro Baptista - Pintura de Ivone Ralha

Fui
hóspede desta mansão
na encruzilhada
dos meus sentidos.

O verso apenas é,
transversal e findo,
o poleiro evocativo
da ave do meu canto.

Essa ave em que o Outono
se perfila
e, cada vez mais exígua
no rumo e nas vigílias
do seu bando,
de súbito, espirala
até sumir-se
num país imaginário.


Sebastião Alba - poeta luso-moçambicano

sábado, janeiro 13, 2007

Ao Sábado a Cidade

Roy, Vienna 1995


Reapreender as normas do
discurso, por exemplo: ao Sábado
a cidade

ou seja: o primeiro da tua
voz entre frente e gente
repetes: ao Sábado a cidade

à ordem lambida dos
holofotes: a rusga

mal ferida no adobe exausto
da carne:
ao Sábado a cidade

transpira do transistor para a axila morna
dos salons: a catinga

interna do teu corpo sacudido na
areia devagar ao
sábado, a cidade

é: um resto de boca
no teu súbito
acordar.

David Mestre - poeta angolano

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Sê Tu a Palavra...

Palavras na Boca


1. Sê tu a palavra, branca rosa brava.


2. Só o desejo é matinal.


3. Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria.


4. Morre de ter ousado na água amar o fogo.


5. Beber-te a sede e partir - eu sou de tão longe.


6. Da chama à espada o caminho é solitário.


7. Que me quereis, se me não dais o que é tão meu?


Eugénio de Andrade - poeta português

sábado, janeiro 06, 2007

A Implosão da Mentira (ou o episódio do Riocentro-fragmentos)

América Cega Pelo Capitalismo



Fragmento 1.

Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.

Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.


Affonso Romano de Sant'Anna – poeta brasileiro


* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no
CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero
" da Coleção "Poesia Falada".

terça-feira, janeiro 02, 2007

Eva

Eva


Você é a mulher
Mais interessante
Que já amei.

Com você
Volto a ser criança
E o mundo
Vira uma brincadeira

Pêra, uva ou maçã?

Ricardo Muniz de Ruiz - poeta brasileiro

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Receita de Ano Novo

Ano Novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummonde de Andrade - poeta brasileiro